DEUS NÃO ME QUERIA LÁ AINDA


                                                           (FOTO DO MEU ACERVO)


DEUS NÃO ME QUERIA LÁ AINDA
Filemon Martins

Janeiro de 1970. Eu já trabalhava no jornal FOLHA DE S. PAULO durante o dia e estudava à noite. Meu pai, Adão Francisco Martins costumava me enviar um telegrama de felicitações no meu aniversário. Era tradição usar o telegrama por ser mais rápido naquela época. Era isso que eu esperava naquele mês, quando recebi o telegrama. Ao abrir e ler a mensagem, que tristeza! Era a comunicação do falecimento dele, de parada cardíaca. Momentos terríveis, dramáticos. Eu, com 20 anos de idade, não estava preparado para a morte de meu pai. Ele morreu com 55 anos incompletos. Impossível aceitar, acreditar. Um vazio tomou conta de mim; comuniquei às minhas duas irmãs, Marli e Nina que também já estavam aqui.
Preocupado com minha mãe eu só queria estar presente e dar-lhe meu conforto pessoalmente. Fui à rodoviária de São Paulo comprar passagens, pretendia viajar imediatamente para Ipupiara. No guichê de passagens da Viação Baiana, que seguiria até Xique-Xique, fui informado de que só haveria passagens para o dia seguinte.
Fiquei insistindo com o atendente que, sem saída, me aconselhou: - espere um pouco aí ao lado do guichê. Quem sabe, alguém desiste. E eu me plantei ali. Todo passageiro que chegava ali, eu ficava ligado. Queria viajar de qualquer jeito, mas depois de um tempo, o atendente fez um sinal me chamando e disse: - se você quiser viajar mesmo, é melhor comprar sua passagem para amanhã; daqui a pouco não haverá passagens nem para amanhã. E assim fiz: comprei três passagens, a minha, outra para minha irmã Marli e outra para a prima Isbela. Viajamos no dia seguinte e quando o nosso ônibus chegava entre Baixa Grande e Mundo Novo, na Bahia, o dia estava ainda escuro, amanhecendo, quando encontrei um amigo da minha cidade. Estava ele com roupa suja, manchada, que me pareceu ser óleo de carro. Perguntei-lhe, surpreso, se estava trabalhando como mecânico naquela cidade, ao que me respondeu: - ¨você não soube do acidente com o ônibus que saiu de São Paulo ontem? Minha roupa está manchada de sangue, porque eu também estava dentro do ônibus com minha irmã que, graças a Deus, se salvou.  Mas perderam a vida 18 pessoas na hora do acidente; outras estão internadas em estado grave. Ajudei no resgate de muitos passageiros. Numa curva perigosa nosso ônibus colidiu com a carroceria de uma carreta e caiu no penhasco¨. - Uma tragédia, completou ele. Nossa viagem prosseguiu, mas em cada cidade ou lugarejo que chegávamos era uma tristeza só. As pessoas desesperadas corriam pedindo informações que eram vagas, escassas, porque não sabíamos quem viajara de São Paulo naquele ônibus. Enfim, depois de uma semana, chegamos à Ipupiara com muita chuva. Contudo, apesar da circunstância, tive o prazer de visitar o poeta Carlos Ribeiro Rocha, que, na ocasião, residia em Santo Inácio. Vale lembrar que nosso transporte de Xique-Xique à Ipupiara, era um Jeep, de propriedade do Sr. Artur Gomes da Silva, que foi prefeito de Ipupiara, de 07/04/1967 a 06/04/1971, dirigido por um exímio motorista, de saudosa memória, chamado Esmeraldo. Diante dos fatos, senti que houve um livramento, fiquei introspectivo e pensei: - Deus ainda não precisou de mim e foi aí que escrevi meu soneto predileto intitulado PAI, que mais tarde o poeta Aristeu Bulhões, da Academia Santista de Letras, o chamou de antológico. “Nada como um dia depois do outro”.  





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