AVENTURAS DE ADOLESCENTE
Filemon Martins
Essas aventuras que
costumo narrar em meus textos têm o objetivo de resgatar a memória de pessoas
simples, simpáticas e sábias que povoaram meus tempos de adolescente.
Meu tio Zeca, José
Ribeiro dos Santos, nascido no Olho d aguinha em 1902, era casado com a tia
Losa, Rosa Ribeiro Martins, nascida na mata em 1905. Juntos tiveram os filhos
Francelino Ribeiro dos Santos, Arlindo Ribeiro dos Santos (1936), David Ribeiro
dos Santos, Adão Ribeiro dos Santos, João Ribeiro dos Santos e Eva Ribeiro dos
Santos. Eram todos lavradores, criadores de cabras, bodes, galinhas, porcos e
gado. Suas roças ficavam distante do lugarejo, uma delas ficava num tal
Carrasco, pé de serra e assim por diante. Plantavam de tudo um pouco, feijão,
milho, melancia, maxixe, quiabo, fumo, capim e mandioca.
Da mandioca fabrica-se
a farinha, tapioca e puba. Para esse fim, eles possuíam uma ¨casa de farinha¨,
como se dizia, na época. Era uma fábrica artesanal de produzir farinha, tapioca
e puba. Minha vó, que chamávamos de Iaiá Maria, Maria Emília Ribeiro Martins,
nascida no Olho d Água em 1904, costumava passar algumas semanas por lá
ajudando na casa de farinha e fazendo beijus, uma iguaria tipicamente do Norte
e Nordeste brasileiro.
A colheita ou arranca
da mandioca ocorria sempre em julho, época de férias escolares. E ela, a Iaiá
Maria falava com minha mãe e me levava para essa aventura. Ela, com certeza, ia
trabalhar muito fazendo beijus de tapioca no mesmo forno em que se fazia a
farinha. Chegando lá ficávamos na casa do tio Zeca, onde os primos João e Adão,
além de trabalharem nas roças, eram caçadores à noite. O David, Eva e o Arlindo
já estavam casados e tinham suas casas, mas o João e o Adão ainda eram
solteiros e moravam com os pais. Hoje, Francelino, David e Adão já não estão
entre nós. O primeiro marido de Eva chamava-se Devaldo, mais conhecido como
¨Dedé¨ e morreu picado por uma cobra cascavel quando se locomovia dentro de uma
roça com outros amigos para o trabalho. Dizem que ele sentiu ser puxado pelo
calcanhar e pensou que fosse brincadeira dos amigos, dizendo: - moço solta
minha perna, quando o amigo que vinha logo atrás gritou: - não fui eu, foi uma
cobra. Levaram-no para a cidade, mas naquela época não havia o soro antiofídico
na cidade, e ele acabou não resistindo. Mas, voltando a nossa aventura com a
Iaiá Maria: saíamos bem cedinho de Ipupiara, ainda escuro e pegávamos a estrada
a pé com destino ao Olho dáguinha, município de Ipupiara e a caminho para Barra
do Mendes e quando o sol despontava iluminando as serras e vales, já estávamos
chegando à casa do tio Zeca. A mesa já estava posta, com café com leite,
cuscuz, beiju, mandioca cozida e batata doce. Era uma festa para o adolescente
da cidade.
Dos filhos do meu tio
Zeca e tia Losa, o que menos conheci foi David, não me lembro a razão. Mas o Francelino,
o João, o Adão e a Eva, estes sim estiveram presentes em minhas aventuras. O
Francelino veio para São Paulo e entrou para a Polícia Militar de São Paulo,
tendo marcado presença em meu casamento. O Arlindo morava com a família no Olho
d água e sempre marcava presença na feira em Ipupiara e conversávamos muito com
seu jeito agradável de cumprimentar: ¨como vai, vai bem¨. O João e o Adão
moravam com os pais trabalhando nas roças e cuidando da criação. Mas à noite
com lua clara saíam para caçar. Enquanto isso eu ficava na expectativa querendo
saber quais caças eles tinham conseguido. Às vezes tatus, veados, jacus,
perdizes e preás. O almoço do outro dia estava garantido. E assim os dias
corriam celeremente na casa do tio Zeca. Uma noite de sábado, observei que os
rapazes chegaram mais cedo das roças, tomaram banho e vestiram suas roupas de
festa. Disseram que haveria uma festa de casamento num lugarejo de nome
Chiquita, não muito longe dali. E foram para a festa, onde o arrasta-pé
prometia. Ali onde eu estava com minha vó o silêncio era total. A luz era de
candeeiro, depois do jantar, um pouco de conversa, algumas histórias, piadas e
todos iam dormir. Foi o que fiz naquela noite. O quarto era grande, minha cama
improvisada e eu dormi pensando nas aventuras do dia seguinte. Lá pelas tantas
da madrugada chegaram os rapazes da casa e mais alguns amigos que vieram com
eles da festa. Quando entraram no quarto, lá estava um intruso dormindo a sono
solto. Um deles sugeriu que me removesse para outro local, mas o primo ponderou
e disse ¨não¨. Eu meio que dormindo, mas acordado de araque permaneci imóvel,
mas ouvi o primo sentenciar: ninguém mexe com o Filemon, ele está dormindo e
vocês vão se virar. Quando acordei pela manhã, ouvia somente o cantar do galo e
o gorjeio dos passarinhos nas árvores que circundam a casa.
Era tempo de voltar
para a cidade levando farinha, tapioca, beijus e puba.
Quantas saudades daquelas estradinhas de terra.
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