TRAQUINICES DE MENINO II

 TRAQUINICES DE MENINO II

Filemon Martins

 

Como já disse num texto anterior, minha vontade de criar pássaros em cativeiro não foi muito longe. Era meninote e me divertia capturando passarinhos, como canário do nordeste, sabiá, pássaro-preto, periquito, sofrê, aqui no Sudeste conhecido como corrupião, cabeça-vermelha ou cardeal-do-nordeste e para isso aprendi a fazer gaiolas para criação e gaiolas com alçapão para pegar passarinhos.

A gaiola era fabricada com as folhas do buriti. Das folhas extraíam-se as ripas, cortando-as no tamanho desejado para a confecção das gaiolas. Dessas folhas do buritizeiro é possível fazer bolsas, jangadas, coberturas de ranchos nas roças, além de usarem as fibras para confeccionar esteiras e redes. Minhas gaiolas eram feitas usando apenas ripas do buriti, um pouco de cola de tapioca e arame, os materiais que eu tinha disponível, porque no Brejo do Velho Doutor, meu avô Gasparino Martins, havia muitos pés de buriti.

Com o correr do tempo, tendo que trabalhar e estudar fui perdendo o interesse em manter os passarinhos presos, mesmo porque vivia numa guerra contra os gatos que rondavam nossa casa e nosso quintal. Eram atraídos pelo canto dos pássaros em nossa casa. Embora eu fosse bem cuidadoso, colocando as gaiolas no ponto mais alto das paredes, ainda assim os gatos atacavam os meus pássaros. Eles conseguiam matar os passarinhos dentro das gaiolas, mas nem sempre logravam retirá-los. E eu saía em disparada atrás dos gatos com vassouras, paus, mangueiras com água, mas tudo em vão. Os gatos são espertos e escapavam como hoje escapam os ladrões.

Assim, decidi soltá-los na natureza, onde também eu poderia ouvi-los.

Mas continuei minhas aventuras de menino, porque encontrei na pessoa do primo Jeremias Ribeiro Filho, uma amizade que perdurou até o dia em que ele nos deixou. Era um pouquinho mais novo que eu, nascido a 21.12.1950. E eu cheguei ao mundo em 17.01.1950, portanto uma diferença de quase um ano.

O que importa mesmo é que fomos companheiros de muitas histórias, algumas perigosas e outras pitorescas. Quase sempre íamos juntos para o Brejo do Velho Doutor, nosso avô. Lá haviam dois tanques com água minada entre aquelas serras e árvores, um chamávamos de ¨tanque de cima¨ e outro, ¨tanque de baixo¨. Nos arredores do tanque de cima havia muitos pés de buritis e grandes pés de manga. Logo à frente do tanque havia uma mangueira frondosa, cuja base do tronco parecia uma pequena mesa e ali eu e o primo guardávamos nosso copo de tomar água para quando a sede apertasse. Nosso copo, na verdade, era um coité. Há dois tipos de coités, um feito de cabaça. O nosso era feito de coco. Descasca-se o coco, toma-se a água e serra-se ao meio, usa-se a massa, e está formado duas bandas, dois coités. Sempre que necessário, pegávamos o coité para tomar água. Um belo dia quando levantei o braço para pegar o coité, observei que havia algo estranho por baixo do coité. Chamei o primo, e olhando melhor descobrimos que uma jararaca chegou até ali e se abrigou em baixo do coité, ficando apenas com a cabeça para fora mostrando insistentemente a linguinha. E agora? Não poderíamos deixar a cobrinha ali; outra pessoa poderia ser picada pela intrusa. Então, eu e ele começamos a pensar numa forma de retirá-la dali ou matá-la.

Naqueles tempos não havia essa conscientização de preservação, não havia Ibama. Predominava mesmo a ideia de eliminá-la, matando-a. Eu e o primo Jeremias combinamos: cada um de posse de uma madeira, ele tentaria com o pedaço de madeira levantar o coité e eu descia o cacete na cobra. A operação foi um sucesso, ele com habilidade levantou o coité e eu com força matei a cobra. Nunca mais usamos aquele local para guardar nosso coité.

Em outra ocasião nesse mesmo Brejo, mas no tanque de baixo, próximo a um canavial e alguns coqueiros nos deparamos com uma cobra Jararacuçu, no interior chamamos de Jaracussú, valente e venenosa, que parecia nos enfrentar. Tanto eu quanto o primo saímos correndo em direção ao tanque e ela também corria no mesmo sentido. Não sabíamos se fugia de nós ou se nos perseguia. Gritamos, pedimos socorro. A cobra era grande e tinha um papo amarelo. E veio nos socorrer o senhor Ercêncio, pai do nosso amigo Saulo, que trabalhava no local. Quando ele desferiu a primeira enxadada, prendeu-a entre a enxada e a terra e por pouco não foi picado pela cobra, que se voltou rapidamente acompanhando o cabo da enxada para atacá-lo. Por sorte o cabo era bem comprido, o que evitou uma tragédia. Assim, o senhor Ercêncio foi o nosso herói e nos livrou da terrível cobra.         

   

 

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