TRAQUINICES DE MENINO
Filemon
Martins
Quando
meu pai se transferiu com a família da Vila de Morpará para Ipupiara, eu tinha
apenas 7 anos de idade. Morpará fica às margens do Rio São Francisco e
Ipupiara, antigo Jordão de Brotas, fica mais para o agreste da Chapada
Diamantina. Criança, não foi difícil minha adaptação à nova vida, nova escola,
novos amiguinhos, novas brincadeiras na pequena cidade.
Em
Ipupiara meu avô Gasparino Martins era proprietário de algumas roças, onde
plantava e criava algum gado. Entre outras, havia o chamado Sítio do seu
Doutor, como a população o chamava. Era um paraíso para as crianças, quando
tudo nessa fase da vida é uma festa. Ali me criei, brincando, correndo e
chupando mangas, laranjas. Um pouco mais crescido veio a fase de capturar e
criar pássaros em gaiolas, tipo canários, pássaros-preto e papagaios ou periquitos.
Tornei-me
fabricante de dois tipos de armadilhas usadas no interior da Bahia: arapuca e
enxó. A arapuca é feita com varetas de galhos de árvores e arame. A base deve
medir aproximadamente 40cm x 40cm. Daí em diante as varetas vão diminuindo seu
tamanho e afunilando até o teto da arapuca. Sempre amarradas com arame para não
se soltarem com o movimento da possível presa. Objetiva pegar pássaros,
inhambus, codornas, juritis... Já a enxó é feita com tábua de tamanho
aproximado de 40cm x 16cm. Um buraco (escavação) na terra medindo mais ou menos
17cm x 17cm e profundidade de 40 a 50 cm. São colocadas em ambos os lados uma
tira de madeira comprida e estreita com um preguinho que ultrapassa a madeira e
se encaixa na tábua, de tal forma que fique flexível para se movimentar para
baixo e para cima quando necessário. Essa tábua e as duas madeiras estreitas
devem ficar rente a terra coladas com massa de barro. Feito isso, testa-se a
armadilha colocando-se um peso equivalente a uma ave no local que fica o buraco
previamente preparado. A enxó deve se mover e jogar o peso dentro do buraco,
voltando em seguida para a posição original. Por fim, coloca-se terra do
próprio local para encobrir a tábua e enganar a presa. É adequada para capturar
inhambus ou Nhambus, como se diz na Bahia, codornas, juritis, preás e
eventualmente alguma coisa indesejável. Foi o que aconteceu comigo. Essas
atividades me obrigavam a levantar cedo para ver se havia capturado alguma
caça, porque outros moleques invadiam o Sítio e poderiam, antes de mim, levar a
caça. De longe você poderia ver se pegou alguma coisa na arapuca, devido ao seu
formato, mas na enxó isso não acontecia. Certa feita, lá cheguei para conferir
e observei que a enxó havia se movido, o que significava que peguei algo. Olhei
próximo a armadilha e não vi nenhum rastro de ave, mas havia sinais de que algo
rastejante passou por ali. Entendi a senha e com cautela e medo fui descendo a
tábua devagarinho. Pronto. Lá estava toda enrolada uma cobra coral. Pedi
socorro a um adulto para que a retirasse de lá. De imediato mudei minha
armadilha para outro caminho. Hoje, sabe-se conforme especialistas, que há a
coral falsa e a verdadeira, ambas parecidíssimas. Mas, como saber se é venenosa
ou não? Prefiro, ainda hoje, sair correndo...
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