A LENDA DO IPUPIARA
Filemon Martins
A lenda do monstro marinho, conhecido como Ipupiara, Igpupiara
ou ainda Hypupiara, percorreu o mundo no século XVI. Habitava as profundezas
das águas e assombrava, inicialmente, os indígenas do litoral brasileiro, passando
depois a atormentar pescadores e marinheiros.
Há relatos sobre esse monstro horripilante e asqueroso do
cronista português, Pero de Magalhães Gandavo, na Vila de São Vicente, SP, a
primeira Vila do Brasil, dessa forma: ¨sendo já alta a noite, acertou de sair
fora de casa uma Índia escrava do capitão e lançando os olhos a uma várzea
pegada ao mar, viu andar nela um monstro, movendo-se com passos e meneios
desusados, e dando alguns urros tão feios que lhe parecia uma visão
diabólica... andava ali uma coisa tão feia, que não podia ser senão o demônio.
Chamado o capitão Baltasar Ferreira que, ao ver o monstro, enfrentou-o e o
abateu a golpes de espada¨. O cronista português descreveu o monstro como tendo
¨quinze palmos de cumprido e era semeado de cabelos pelo corpo e no focinho
tinha umas sedas mui grandes como bigodes¨.
O jesuíta Fernão Cardim e o padre José de Anchieta fizeram
referência a esses monstros e, segundo eles, o Ipupiara, era um ser ¨bestial,
faminto, repugnante, de ferocidade primitiva e brutal¨. Anchieta
escreveu:¨Também há outro (demônio), nos rios, aos quais chamam Ipupiara, isto
é, moradores da água, os quais igualmente matam os índios¨. Arrola o Ipupiara
como uma das figuras do Demônio que afligiam os índios, ao lado do Curupira e
do Boitatá.
A lenda do Ipupiara é tão forte e viva em São Vicente, que
construíram um monumento em sua homenagem na Praça 22 de janeiro. Quando morei
em Itanhaém, tive oportunidade de conhecer a estátua e a Praia da Biquinha,
onde dizem os moradores houve a última aparição do ser monstruoso em dezembro
de 1975, quando um jovem surfista de 17 anos afirmou ter sido atacado por um
monstro numa noite quente de verão ao se refrescar no mar na praia da Biquinha.
Essa estátua, infelizmente, pegou fogo e foi destruída em 2016. A obra, de
autoria de Daniel Gonzalez, artista plástico falecido em setembro de 2011, foi
inaugurada em 22 de janeiro de 1999. Filho do ator Serafim Gonzalez, o escultor
é autor de outras obras de destaque na Baixada Santista, como a do Praiamar
Shopping e O Surfista, no José Menino. Mencione-se também que o ator Serafim
Gonzalez era escultor e autor da obra Mulheres de Areia, em Itanhaém.
O sociólogo Gilberto Freyre, em sua obra Assombrações do Recife
Velho, Rio de Janeiro, (2000) escreveu sobre a lenda: ¨Mais danados que todos,
os hipupiaras eram homens marinhos que espalhavam o terror pelas praias. Os
hipupiaras não comiam da pessoa que pegavam a carne toda, mas apenas uma parte
ou outra. O bastante, entretanto, para deixar a vítima um mulambo. Comiam-lhe
os olhos, narizes, e pontas dos dedos dos pés e mãos, e as genitálias. O resto
deixavam que apodrecesse pelas praias¨.
Sérgio Buarque de Holanda também escreveu: ¨A fantástica
ipupiara, com seu jeito particular de matar os homens, que é beijá-los e abraçá-los
fortemente até fazê-los em pedaços, ficando ela inteira, e como os sente
mortos, põe-se a chorar (sem que isso a impeça de devorar-lhes as partes do
corpo que julga mais delicadas)¨.
No caso de São Vicente, hoje, admite-se que é provável que tenha
sido um grande leão-marinho, animal pouco conhecido e assustador para os
caiçaras que habitavam o litoral paulista.
Um fato curioso, contudo, me intriga: nasci numa cidade do
interior da Bahia, que se chamava inicialmente Campos Belos (1842), Fundão de
Brotas (1865), Fortaleza de São João (1906), Jordão de Brotas (1911), Vanique
(1935) e a partir de 1936, Ipupiara, com o Decreto-lei estadual nº 141, de
1943, confirmado depois pelo Decreto estadual nº 12.978, de 1944. Nasci,
portanto, na cidade de Ipupiara, região da Chapada Diamantina. Quando aqui
aportei, tomei conhecimento da fascinante lenda que correu o mundo.
BIBLIOGRAFIA:
Internet
Martins, Mário Ribeiro. Coronelismo no Antigo Fundão de Brotas.
Goiânia-Goiás, Editora Kelps, 2010.
Santos, Arides Leite. Ipupiara & Ibipetum. Salvador, Bahia,
Empresa Gráfica da Bahia, 2017.
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