LIÇÕES DE ONTEM E DE HOJE

 
 (FOTO RETIRADA DO LIVRO ¨HISTÓRIAS DOS BATISTAS EM IPUPIARA¨, 2ª EDIÇÃO-REVISTA E ATUALIZADA, DE ARIDES LEITE SANTOS)


LIÇÕES DE ONTEM E DE HOJE
Filemon Martins


Embora pequeno, talvez com uns dez anos de idade, eu ouvia o meu avô falar e me recordo de muita coisa. Meu avô paterno GASPARINO FRANCISCO MARTINS nasceu, cresceu e constituiu numerosa família, na cidade de Ipupiara, interior da Bahia. Naquela época nem era cidade, era apenas um distrito com o nome de Fundão de Brotas, passando depois a chamar-se Jordão de Brotas. Pelo Decreto-Lei nº 12.978, de 1º de junho de 1944, recebeu o nome de IPUPIARA. Meu avô, então, era um homem rude, simples, sem estudos, mas era trabalhador e honesto. E foi ali que conquistou tudo que era possível financeiramente com o seu trabalho. Adquiriu fazendas, cabeças de gado, cavalos, casas comerciais, casas de aluguéis e trabalhou durante muito tempo no comércio varejista.
Os amigos e conhecidos o chamavam de “Doutor” Gasparino. Tinha gênio forte e era, como se dizia no interior, homem de uma só palavra. Alguns o achavam “seguro” demais, talvez em razão dos bens que conseguiu obter. Outros, diziam o contrário. Tornara-se comerciante na pequena Vila. Em seu armazém, por sinal, bem sortido, vendia de tudo: feijão, arroz, rapadura, café, farinha de mandioca, toucinho, açúcar, sabonete, creme dental, enxada, facão, foice, machado, etc. E em seu comércio até vendia fiado com algumas condições. O sujeito chegava na venda, comprava a mercadoria que lhe convinha, pagava uma parte e ficava devendo outra, com promessa de pagamento para determinado dia, previamente combinado. Meu avô, então, anotava numa caderneta, onde constava o nome do comprador, a data da compra, “centavo por centavo” e a data prometida para pagamento.
Pois bem, se no dia aprazado, o sujeito não tinha o dinheiro para pagamento, mas vinha conversar com ele, explicando que houve algum imprevisto, não havia problema, “veio dar uma satisfação,” ele dizia. Marcava para outra data o pagamento. Mas, se ao contrário, o camarada não aparecia, aí, meu amigo, não havia mais jeito. Podia pagar a dívida, porém nunca mais levava fiado do armazém do meu avô. E ele nos ensinava, com sua sabedoria e simplicidade: “se o homem não tem palavra, não tem caráter, não tem moral. Como posso confiar nele outra vez?”
Naquele tempo, as coisas eram mais difíceis do que hoje. Não havia qualquer tipo de comunicação, a não ser o telégrafo, e muito raramente, algum rádio na Vila. O acesso era dificílimo. Não havia estradas. Aliás, hoje existem, mas continuam poucas e nem sempre boas. Para se ter uma ideia da época e do atraso em que vivíamos, a primeira bicicleta que apareceu na Vila, hoje cidade de Ipupiara, meu avô a apelidou de “o cavalo do cão”.
Tempos depois, ele nos deixou, deixando também suas lições e exemplos. Nunca mais o esqueci. E ainda o ouço dizer: “meu neto, se o homem não tem palavra, não merece confiança.” Hoje, parece que é ingenuidade esperar que alguém tenha palavra. Nos palanques da vida, ouvem-se promessas e promessas. São palavras ao vento. Em todos os níveis: municipal, estadual e federal. Se entre os políticos antigos o uso era comum, agora, então, com os políticos dos novos Partidos tornou-se uma prática natural. Pobre daquele que atrever-se a cumprir promessa ou palavra. E até mesmo a defender a honestidade, a honradez e a ética. Corre o risco de ser escrachado, vítima de notícias falsas e expulso da agremiação. Que vergonha! Meu avô é quem tinha razão: “Se o homem promete e não cumpre, não tem palavra, não tem moral, portanto, não merece respeito.”


Comentários