QUEM
FOI CORA CORALINA?
Filemon Martins
ANA
LINS DOS GUIMARÃES PEIXOTO BRETAS nasceu em Vila Boa - Goiás Velho, em 20 de agosto de 1889. Filha de
Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto e de Jacinta Luísa do Couto
Brandão. Criada às margens do Rio Vermelho, viveu numa casa comprada pela
família no século XIX, quando seu avô ainda era criança. É possível que essa
casa tenha sido construída no século XVIII, tendo sido uma das primeiras
construções da região. Com um mês de vida, o pai de Cora, que era desembargador
nomeado por D. Pedro II, faleceu. Assim, em 1900 mudou-se com sua família para
a cidade de Mossâmedes, em Goiás mesmo. Talentosa, aos 14 já inicia sua
trajetória de sucesso, escrevendo e participando de ciclos literários. Poetisa,
contista e especialmente doceira, como ela costumava se identificar. Escreveu,
entre outros, ¨POEMAS DOS BECOS DE GOIÁS E ESTÓRIAS MAIS¨ (1965), ¨MEU LIVRO DE
CORDEL¨(1976), ¨VINTÉM DE COBRE-MEIAS CONFISSÕES DE ANINHA¨(1983), ¨ESTÓRIAS DA
CASA VELHA DA PONTE¨(1985), ¨OS MENINOS VERDES¨(1986).
Em
1911, com 22 anos de idade, muda-se da cidade de Goiás, indo para o interior de
São Paulo, com o Advogado Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, grávida do
primeiro filho. Mas só se casa com o Advogado que era pai do seu filho e vinte
anos mais velho do que ela, em 1926. Depois de ter residido em várias cidades
do interior paulista, durante 45 anos, inclusive na capital, voltou à cidade de
Goiás, em 1956, quando já estava com 67 anos, indo morar na Casa Velha da
Ponte, onde viveu como CORA CORALINA ou ANINHA DE GOIÁS. Faleceu no dia 10 de
abril de 1985, com 96 anos, em Goiânia, sendo sepultada em sua terra natal.
Sua
neta ANA MARIA TAHAN escreveu uma biografia elucidativa sobre a ilustre
brasileira. Vejam: ¨CORA CORALINA (1889 – 1985) – AVENTUREIRA E LIBERTÁRIA
A
Ana que virou Cora, e foi rejeitada pela cidade, criou asas e ganhou fama. A
voz era apaixonada, vibrante. Transbordava do coração, atravessava as cordas
vocais, ganhava emoção ao ritmo das mãos e os olhos vivazes acompanhava o tom.
Histórias,
poemas, contos, causos e opiniões fluíam ao ritmo entoado por Cora, mestre na
arte de declamar e interpretar, capaz de confundir desavisados sobre o que era
realidade e o que era fantasia.
Cora,
Aninha, Anica, Anita, eram todas numa só, pequenina, franzina, eternamente
atarefada e permanentemente escritora. Erram os que tentam reduzi-la à condição
de poeta ou poetisa. Era contista e cronista de tempos passados e presentes.
Jornalista também, observadora distante e crítica, e fiel redatora de fatos e
acontecidos.
Escrevia
com afã, no impulso, sobre qualquer papel que lhe caísse nas mãos. Escrevia em
bordas de jornais, em meio a cartões postais, em envelopes de cartas e em
rústicos papéis de embrulhar pão. Se a inspiração transbordasse, desprezava os
limites. Ia desenhando letras pelos cantos, nas entrelinhas, e subia e descia
até que se extinguisse o desejo de expressão. Se tivesse tempo passava a limpo
em cadernos caprichados ou em blocos de carta. Caso contrário ficavam por ali,
esquecidos em meio a livros, recortes e folhetos. Perdidos nos guardados.
Ana
Lins dos Guimarães Peixoto nasceu e cresceu na casa velha da ponte, de
construção maciça, erguida por escravos nos idos de 1770 para abrigar o
capitão-mor de Villa Boa de Goyaz, Antonio Souza Telles de Menezes. Conta-se
que o capitão foi um inconfidente, desgarrado da turma de Minas e perdido no
interior de Goiás.
Morreu,
ou foi mandado morrer, em 1804. Entre os bens sequestrados pela Coroa
Portuguesa estava a casa, comprada em leilão pelo cônego Couto Guimarães. Meio
século depois, em 1889, ali Ana foi gerada.
Virou
Cora aos 15 anos. O pseudônimo era uma exigência para disfarçar a escritora, já
que moça prendada e casadoira não perdia tempo com manuscritos. Cora,
derivativo de coração, identidade que a diferenciava de tantas Anas da cidade,
batizadas todas em homenagem à santa padroeira. Coralina ainda demorou algum
tempo. Surgiu depois, soma perfeita de sonoridade e tradução literária.
Cora
Coralina, coração vermelho, gostava de contar. ¨Lindo, não é?¨ Vó Cora falava
pouco de si. Muito contavam dela os quatro filhos. Um homem e três mulheres.
Conheceu Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, recém-nomeado chefe de
Polícia de Villa Boa, durante uma tertúlia literária. Tinha 20 anos e já era
uma ¨solteirona¨.
Entre
poemas, récitas e acirrados debates culturais se apaixonaram. Fugiu com ele
para Jaboticabal, interior de São Paulo. Cantídio era homem separado, tinha
filhos na capital paulista e uma outra filha, fruto de romance com uma índia
durante passagem pelo Norte de Goiás. Essa, Cora criou. Saraus literários ou
não, Cantídio nada gostava do pendor da mulher.
A
Cora ousada, que deixou para trás preconceitos sociais, pouco ligava. Publicava
artigos nos jornais de Jaboticabal, construía poesias e costurava contos,
depois, ao mudar para São Paulo. Flagrada na cidade pela Revolução
Constitucionalista de 1932, alistou-se como enfermeira. A filha mais nova,
Vicência, encontrou a ficha de inscrição recentemente, perdida entre centenas
de textos inéditos.
Costurava
bibis (bonés) para soldados, uniformes e aventais para enfermeiras. Depois, com
os revoltosos derrotados pelas forças de Getúlio Vargas, encontrou outra causa.
Bradou pela formação de um partido feminino e escreveu até o manifesto da
agremiação.
Enviuvou
e vendeu livros editados pela José Olympio de porta em porta. Aventurou-se por
Penápolis, no interior paulista, e montou uma pensão e depois um pequeno
comércio: a Casa de Retalhos. Desembarcou em Andradina no início da década de
50. A cidade se erguia. Abriu a Casa da Borboleta, onde vendia um pouco de tudo
para mulheres.
Montou
sítio na vizinha Alfredo Castilho. Subiu em palanques para apregoar o voto na
UDN. Em 1956, filhos criados, netos embalados, voltou à ¨origem ancestral¨.
Tinha motivo: lutar pela posse da velha casa da ponte antes que, por usucapião,
se transferisse para um sobrinho. Instalou-se com ¨seu¨ Vicente, um nordestino
faz-tudo e analfabeto que a acompanhava desde o sítio em Castilho. ¨Seu¨
Vicente, figura doce, simplório, dedicado, embebedava-se até com guaraná. Entre
móveis antigos, e sob o calor do velho fogão de lenha, Cora escreveu, escreveu,
escreveu...
Aprendeu
a datilografar aos 70 anos. Publicou o primeiro livro – Poemas dos Becos de
Goiás e Estórias Mais – aos 75. Meu pai, Rúbio, minha mãe, Vicência, meus três
irmãos e eu passamos uma temporada com Cora nesse tempo. Meu pai datilografava
os manuscritos numa antiga Olivetti. Ela, ao lado, ainda remendava os textos.
Processo contínuo de criação.
NOTA
DA AUTORA: Sou neta de Cora, herdeira do seu nome de batismo e orgulhosa desta
descendência. Cresci escavando o porão da casa velha da ponte atrás do ouro do
capitão-mor, que ela contava ter sido escondido por um escravo de confiança do
inconfidente. Cheguei à adolescência ouvindo-a declamar, com cativante êxtase,
poemas recém-terminados.
Acreditei
em histórias inventadas. Empanturrei-me de seus doces apurados dias e dias em
tachos de cobre, caprichosamente arrumados em caixas de papelão. Dinheiro da
venda depositado na poupança. Economias que permitiram a compra, em leilão, da
velha casa.
A
cada dia, sendo hoje adulta, de volta à terra e eternamente ligada à cidade que
ela tanto amou, descubro um pouco mais sobre Cora. Há tanto material ainda
inédito além dos apresentados nesta edição de ideias! Há tanta vida ainda a
publicar! Até livro de receitas selecionadas ao longo da existência – maneira
antiga de cozinhar, que exige tempo e capricho – espera hora e interesse para
chegar ao prelo. Cora deixou um mundo a desvendar. Sua herança, minha herança¨ ...
BIBLIOGRAFIA:
PPS
– RECEBIDO VIA AVBAP – ACADEMIA VIRTUAL BRASILEIRA ALMA-ARTE E POESIA –
FORMATADO POR ANGÉLICA LEPPER
Martins,
Mário Ribeiro, DICIONÁRIO BIOBIBLIOGRÁFICO DE MEMBROS DA ACADEMIA GOIANIENSE DE
LETRAS.
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