O HOMEM AVESSO ÀS ARMAS
Filemon
Martins
Nove
pessoas de uma mesma família moravam na antiga Vila de Morpará, às margens do
Rio São Francisco. O marido, Adão Martins, sua mulher Francolina e seus sete
filhos, que estudavam e pescavam no Rio São Francisco. A economia da pequena
Vila era baseada na agricultura que se fazia nas ilhas, na pesca e no próspero
comércio que, aos poucos, surgia na Vila e região. Por ser um porto, onde
ancoravam vapores e barcos, trazendo e levando produtos, tornou-se um polo de
comércio na região. Comerciantes compravam e vendiam sacas de café, sacos de açúcar,
sal, arroz, rapadura, feijão, milho, querosene para outras praças, incluindo aí
sua produção de fumo, peixes secos do São Francisco, como curimatã-pacu,
dourado, surubim, mandi-amarelo, mandi-açu, piranhas etc.
O
chefe da família, Adão Martins era um próspero comerciante de tecidos,
proprietário da loja ¨A Primavera¨, estabelecido naquela Vila de Morpará. Era
avesso às armas, mas às vezes saía para caçar com alguns amigos, geralmente do
lado oposto ao rio, onde existem algumas serras e a caatinga do Sertão. Caçavam
mocós, cutias, pacas, tatus e eventualmente, algumas aves, como perdiz, jacu,
codorniz e quando iam mais longe, veados e caititus.
Numa
dessas caçadas com amigos, ocorreu um acidente: no emaranhado de garranchos, a
espingarda do senhor Adão disparou e atingiu as nádegas do amigo que estava
logo à frente. Foi um ¨Deus nos acuda¨, já que estavam na serra e distantes da
Vila. Como eram muitos amigos, conseguiram socorrê-lo e leva-lo para a Vila e
posteriormente para a cidade da Barra, onde havia hospital que propiciasse um
tratamento adequado. O amigo ficou bem de saúde, mas o senhor Adão nunca mais
participou das caçadas com os amigos.
Em
abril de 1957 o senhor Adão se transferiu para Ipupiara, sua terra natal, com
sua família onde moravam seus pais, irmãs e o irmão Oscarino Martins, que havia
retornado de Corrente, Piaui. Em novembro de 1958 nasce seu oitavo filho, e a
família aumenta para dez pessoas. Seu irmão Oscarino gostava de caçar e possuía
um rifle de longo alcance e dessa forma o senhor Adão voltou a pegar em arma
outra vez. Seu avô Gasparino Martins era proprietário de um sítio, onde se
plantava milho, feijão, mandioca, melancia e havia muitos pés de manga. Subia e descia serra, habitat natural de
alguns animais, como raposas, veados, onças e o senhor Adão incentivado pelo
irmão, voltou a caçar. Mas andava sozinho. Em noites de lua cheia, céu
estrelado, fazia seu alforje e partia para a serra do sítio. No caminho era possível
ver garranchos, juremas, unhas-de-gato, angicos,
cactos, aroeiras, bromélias, flor de jitirana, juazeiros, umbuzeiros,
mandacarus, quixabeiras, entre outras. Lá havia alguns murundus de terra e em
cima ele fazia um buraco, construindo um assento e lá ficava imóvel, invisível,
aguardando que a presa chegasse.
Numa
dessas vezes, o veado-catingueiro não apareceu e como estava ficando tarde, ele
desistiu e voltou para casa. No outro dia, foi lá verificar se o animal andou
por lá depois dele, e constatou pelos rastros que uma onça estivera lá andando
em círculos pelo murundu de terra.
Em
outra ocasião, nesse mesmo local, ele aguardou a presa chegar e chegou um belo
exemplar de veado. Noite clara, ele se aprumou no assento, mirou o rifle e
apertou o gatilho: ¨tengo¨. Armou novamente o rifle e mirou, apertando o
gatilho: ¨tengo¨. Verificando seu rifle, constatou tardiamente que não havia
balas, a arma estava descarregada... E o veado-catingueiro já havia
desaparecido no mato.
Voltou
para casa desolado e desistiu de ser caçador.
Nota
do autor: Hoje Morpará (sede), e os Distritos de Carnaúba Grande e Quixaba
formam um Município aprazível no interior da Bahia às margens do Velho Chico.
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