CARTEIRADA

 CARTEIRADA

Filemon Martins

 

Quando jovem e até meus 32 anos de idade, gostava de usar barba e vasta cabeleira à moda maracanã, coisa de época. Não tinha ainda cabelos brancos. Vivíamos sob os reflexos da ditadura militar no Brasil e tudo imprimia medo e desconfiança, embora não se desse motivos para isso.

Estou me referindo aos idos de 1980/81, quando o Terminal Rodoviário da Luz ficava na Praça Júlio Prestes, na região da Luz, centro de São Paulo. De lá saíam e chegavam os ônibus procedentes de todo o Brasil, incluindo do Norte e Nordeste. Naquela época muitos parentes e amigos viajavam ou chegavam da Bahia, passando por aquele Terminal Rodoviário. E eu que já trabalhava no grupo Folhas, costumava ir até lá observar se via algum conhecido viajando ou desembarcando. Ficava um pouco afastado olhando e andando de um lado para outro sempre atento aos passageiros que por ali transitavam. De repente, dois brutamontes, um de cada lado se encostaram em mim, perguntando: -¨qual é a tua, meu¨? – Depois do susto, muito calmo olhei para o da direita, depois olhei para o da esquerda e disse: - acho que trabalhamos para o mesmo patrão. – ¨Como assim¨? – perguntaram. – Com licença, vou pegar meu crachá e apresentei um bonito crachá da Folha de S. Paulo. Perguntei é ou não é o mesmo patrão de vocês, Carlos Caldeira Filho?  Eu sabia de antemão que a administração do Terminal Rodoviário estava sob a responsabilidade do grupo Folhas, cujos proprietários eram Carlos Caldeira Filho e Octávio Frias de Oliveira. Pediram-me desculpas e antes de saírem, confessaram: ¨é que você estava numa atitude suspeita, como se estivesse procurando alguma coisa¨. Depois desta carteirada me deixaram em paz. Que alívio! De fato, eu procurava algum conhecido, parente que, porventura, estaria chegando a São Paulo com notícias da terrinha. Nada mais que isto. Mas, naqueles tempos andar, olhar, pensar, agir era muito perigoso.

  

Comentários