REVISITANDO O PASSADO
Filemon Martins
O fato é real e aconteceu em São
Paulo. Eu e alguns amigos morávamos numa pensão da Rua Cel. Emídio Piedade, em
frente a um distrito policial, no bairro do Pari. Deusdedite Cunha, meu amigo
de longa data também morava nesta mesma pensão. Seu pai, o seu João da Cruz
Cunha, um dos filhos do Coronel Facundo, morador e comerciante na cidade de
Ipupiara, interior da Bahia, costumava vir a São Paulo fazer compras nas Ruas
25 de Março, Carlos de Souza Nazareth, Jorge Azem e outras da região do Mercado
Municipal.
Como era de costume, ele se
hospedava conosco, fazia suas compras e junto com alguns amigos retornava ao
interior da Bahia. Mas alguns dos seus parentes trabalhavam e moravam em São
Paulo, nos bairros de Vila Sabrina e Jardim Brasil. Pois bem, o seu João da
Cruz, meu amigo desde a época em que fui comerciante de miudezas em Ipupiara,
me convidou a dar um passeio na casa de um dos seus parentes. Nesta época, eu
trabalhava em São Paulo e conhecia melhor a cidade. Aceitei o convite e fomos
visitar os parentes do seu João. Tomamos um ônibus na Avenida Celso Garcia e
rumamos em direção ao Belém, Vila Maria e depois, Vila Sabrina.
Após uns 30 ou 40 minutos
estávamos chegando ao ponto final. O sol estava tinindo. Assim que descemos do
ônibus, perguntei ao seu João: - o Sr. sabe como chegar lá, sabe o nome da rua?
Para minha surpresa, o seu João não conseguia encontrar o caminho que nos
levasse a casa dos seus parentes e, para complicar, não se lembrava do nome da
rua. Era impossível pedir informações sem ter o nome da rua. Fiquei meio
embaralhado, mas me mantive calmo.
Percebi que era melhor descansar
um pouco. Convidei-o a tomar um refrigerante e num boteco qualquer ficamos
jogando conversa fora. Falamos sobre a agitação da cidade, o corre-corre do
povo, a ansiedade, o medo, a ilusão de quem chega para trabalhar muito e ganhar
quase nada. Falamos sobre o tempo em que fui comerciante naquela cidade
interiorana da Bahia e tantos outros assuntos. Assim, o tempo foi passando e o
seu João, aos poucos, foi se tranquilizando. Estávamos quase desistindo do
passeio, quando de repente, seu João falou alto, quase gritando: - Jataí,
Jataí! Perguntei o que significava “Jataí” e ele me respondeu: - é o nome da
rua, Filemon. E foi aí que descobrimos que o nome da rua era Batalha do Jataí,
na Vila Sabrina, onde moravam os parentes do seu João da Cruz e onde fomos
recebidos com a tradicional hospitalidade baiana.
Para mim, o mais importante, entretanto,
é que seu João da Cruz Cunha, nascido em 24/11/1917, proprietário da Fazenda
Salinas, pai de Jaci Cunha, Lindaura Cunha, Facundo Cunha Neto, Deusdedite
Cunha, Hélio Cunha, Olga Cunha e José Cunha, cidadão íntegro, experiente, foi
sempre meu amigo.
Hoje, 23 de janeiro de 2022 recebi
essa notícia triste: o nosso amigo João da Cruz da Cunha silenciou aos 104 anos.
Registro aqui nossos sentimentos à família e a todos os parentes e amigos, com
a certeza de que ele cumpriu sua missão e seguirá em paz.
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